sábado, 11 de fevereiro de 2017

A Tributação Autónoma (inconstitucional)



O artigo 104.º n.º 2 da Constituição refere que as empresas devem ser tributadas fundamentalmente pelo rendimento real. Assim, determina o direito fiscal que este rendimento seja inicialmente apurado na contabilidade (lucro = rendimentos menos gastos) e subsequentemente corrigido através de determinadas regras fiscais. O CIRC estabelece quais os gastos que podem (ou não) ser aceites na determinação do lucro tributável, ou seja, aqueles que contribuem (ou não) para a obtenção do rendimento. 

Mas o Estado apercebeu-se que, no caso de uma empresa apurar prejuízo fiscal, a não dedutibilidade de um gasto não redundaria numa tributação efetiva. Vai daí… passou a tributar diretamente determinados gastos, através da tributação autónoma prevista no art.º 88.º do CIRC. E a coisa agrada ao Estado, considerando que esta penalização tem um peso considerável na tributação de IRC, conforme se pode ver no seguinte mapa:

 

Antes de conhecermos, no quadro seguinte, algumas taxas de tributação autónoma aplicáveis, questiono porque razão se penalizam as entidades privadas (sujeitas a IRC) nestas despesas, questionando-se, no fundo, a contribuição efetiva destas para a sua atividade económica e fiscal, quando os agentes do Estado, no exercício das suas funções públicos, também as suportam, nesse caso com hipócrita legitimidade porque se consideram legítimas para a sua atividade. Vejamos os seguintes exemplos:

Algumas despesas sujeitas a tributação autónoma
Taxas

Despesas de representação dedutíveis


10%
Encargos com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias, motos ou motociclos (excluem-se os encargos relativos a veículos movidos exclusivamente a energia elétrica ou a viaturas relativamente às quais a respetiva utilização seja tributada em IRS, a título de rendimento de trabalho dependente)

Variável entre 5% e 35%
Encargos relativos a despesas com ajudas de custo e com a compensação pela deslocação em viatura própria do trabalhador, ao serviço da entidade patronal, não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer título, exceto na parte em que haja lugar a tributação em sede de IRS na esfera do respetivo beneficiário
5%
 
Os políticos recebem despesas de representação e ajudas de custo, sem tributação, e fazem questão de se deslocarem (muitas vezes com motorista) em viaturas de luxo ao serviço (e à custa) do erário público. As empresas, por seu lado, são tributadas, não obstante constituírem o principal motor da economia. Eis a lógica do nosso Estado que agrava a sua posição de usurpador fiscal, ao mesmo tempo que se mostra preocupado com o débil crescimento económico do país. Se isso não fosse já suficientemente mau, desde há uns anos para cá que as taxas de tributação autónoma indicadas são elevadas em 10 pontos percentuais quando as empresas apuram prejuízo fiscal. 

Colocam-se então as seguintes questões:

- Tratando-se de tributação sobre a despesa, não viola a lei constitucional que estabelece que a atividade das empresas deve ser tributada fundamentalmente pelo rendimento?

- Tratando-se de tributação sobre a despesa, não devia ser considerada como gasto fiscalmente aceite na atividade económica das empresas?

- Se é então considerada como IRC, porque razão não é permitida a dedução do Pagamento Especial por Conta (PEC) ao valor apurado da tributação autónoma em cada exercício?

É escusado procurar qualquer indício de objetividade ou coerência no tratamento fiscal desta matéria porque o objetivo é mesmo só um: a extorsão fiscal por parte de um Estado que não é pessoa de bem, que não dá o exemplo e que não promove respeitadores comportamentos económicos.

Menos pessoas empregadas e mais pessoas inativas



Da mesma forma que persiste uma inexplicável concentração da mensagem mediática na evolução do défice orçamental, ignorando-se o verdadeiro problema da espiral incontrolável da dívida pública, assistimos a uma abordagem idêntica em relação à taxa de desemprego. Ignora-se, também neste caso, o verdadeiro “mix explosivo” que conjuga a destruição de empregos na última década e o preocupante aumento de pessoas inativas com mais de 15 anos.

Através da consulta dos dados estatísticos publicados no site do INE [link], verificamos a seguinte evolução no período [2007-2016]:


Podemos constatar que na última década, passou a haver menos 564,5 mil pessoas empregadas (!). O triste fenómeno da emigração (coerciva) que caracteriza o Portugal moderno implicou uma relevante redução de 440,1 mil pessoas na população ativa que, assim, garante que a taxa de desemprego não atinja valor mais elevado.

Outra preocupante evolução é o aumento de 4,2 pontos percentuais na taxa de inatividade das pessoas com 15 anos ou mais anos, resultado de um maior número de pessoas nesta situação (+ 329,2 mil em 10 anos).

Atente-se a esta grave disparidade, que não tem conhecido merecido tratamento por parte dos nossos agentes políticos. Em 2007, Portugal tinha 5.169,7 mil pessoas empregadas a produzir e a contribuir para os vários sistemas de assistência social, em contrapartida de 3.799,9 mil pessoas (com idade > 15 anos) que por razão de desemprego ou inatividade não o podiam fazer. Dava um rácio de 1,36, para ser rigoroso. Vejamos o Portugal de 2016 que tem 4.605,2 mil pessoas empregadas a produzir e a contribuir para os vários sistemas de assistência social, em contrapartida de 4.253,5 mil pessoas (com idade > 15 anos) que por razão de desemprego ou inatividade não o podem fazer. Dá um rácio de 1,08, o que significa que está quase “ela por ela”. Dado preocupante, mas banido da caixa de ressonância pública. 

O que é que isto quer dizer em relação ao nosso futuro, conjugando-se com a espiral de dívida pública (a ser paga pelas gerações futuras)? Direi que com um cobertor curto não conseguiremos tapar as duas extremidades.